sábado, 16 de março de 2013

Breve histórico de Chávez e do Movimento Bolivariano (em português)

 "MAREA ROJA": Por 10 dias o povo Venezolano se despediu do Presidente HUGO CHÁVEZ (foto agregada por ALINE CASTRO)

Diogo Costa


BREVE HISTÓRICO DE HUGO RAFAEL CHÁVEZ FRÍAS E DO MOVIMENTO BOLIVARIANO - Uma notícia muito forte ocorreu na semana passada, mais precisamente no dia 05 de março, capaz de abalar o noticiário em nível latino-americano e mundial. O falecimento de Hugo Rafael Chávez Frias despertou apaixonadas discussões sobre sua história e seu legado. Destaque-se, então, a história dele na Venezuela.
Hugo Rafael Chávez Frias é militar de origem, e bebeu nas fontes do Movimento Bolivariano presente nos países andinos e caribenhos, existente há muitas décadas. Notadamente na Venezuela, podemos afirmar que o Movimento consolida-se a partir do nascimento do EBR 200 (Exército Bolivariano Revolucionário), em 1977. O EBR 200 admitia em suas fileiras apenas militares. Pouco tempo depois, em 1983, o tenente coronel Hugo Rafael Chávez Frias cria o MBR 200 (Movimento Bolivariano Revolucionário), evolução do EBR 200 e que passou a admitir em suas fileiras civis e militares.
O movimento bolivariano, muito enraizado no pensamento popular da Colômbia e da Venezuela, remete, por óbvio, aos movimentos de independência política ocorridos na América do Sul há cerca de 200 anos. Reivindicam-se enquanto herdeiros políticos do libertador Simon Bolívar, nascido na própria Venezuela, e propugnam pelo que chamam de segunda independência sulamericana. 
Entendem que os países sulamericanos vivem espoliados pelo imperialismo que surrupia riquezas naturais e mantém na pobreza, no abandono e na ignorância os povos dessas nações, contando, para tanto, com a subserviência das elites econômicas de cada país, que preferem, sempre, garantir seus lucros antes de pensar no desenvolvimento econômico e social de suas gentes.
É sabido que em fins dos anos 70 o mundo ainda vivia no contexto da Guerra Fria, certo também é afirmar que o Chile de Salvador Allende, primeiro presidente socialista eleito pelo voto popular nas Américas, sofreu um brutal golpe de estado em 11 de setembro de 1973 e ali foi testado, de forma cruel, brutal e assassina, os parâmetros da Escola de Chicago. O Chile do golpista Augusto Pinochet foi o laboratório do neoliberalismo que viria a tornar-se hegemônico quando da queda do Muro de Berlim, em 1989, e subsequente desintegração da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em dezembro de 1991. 
Antes desses episódios, podemos afirmar que a ascensão de Karol Wojtyła enquanto Papa (Papa João Paulo II) em 1978, bem como a eleição de Margaret Thatcher no Reino Unido em 1979 e a eleição de Ronald Reagan nos EUA em 1980 foram fatores decisivos para conformar o 'novo' mundo pós Guerra Fria. Não nos esqueçamos também de Mikhail Gorbachev, da glasnost e da perestroika!
Neste cenário de início dos anos 90 a nova hegemonia liberal, amplamente vitoriosa e arrogantemente triunfante mostra a sua face no episódio da Guerra Iraque-Kuwait. Os EUA lideram, como donos do mundo, uma poderosa coalisão diplomática e militar que dobra com facilidade inimaginável um Saddam Hussein que fora aliado do ocidente até 1988, Saddam atuou de forma crucial para conter a Revolução Iraniana através da cruenta e terrível Guerra Irã-Iraque, que durou longos oito anos (1980 à 1988). 
No Brasil, na Venezuela, no México, Argentina, enfim, em todos os países sulamericanos, a 'boa nova' liberal (ou neoliberal) chegava avassaladora como um furacão incapaz de ser controlado. Fernando Collor de Mello, Carlos Andrés Pérez, Carlos Salinas de Gortari, Carlos Menem e outros menos cotados encarregaram-se de abrir as portas e as janelas das nações latino-americanas ao credo capitaneado pelos vitoriosos da Guerra Fria. Esses movimentos de abertura indiscriminada das fronteiras econômicas provocaram um desequilíbrio interno muito grande nos países, viu-se a recessão, o desemprego, o arrocho salarial e a fome que vicejaram como há muito não se via. As explosões sociais não tardaram a surgir, em maior ou menor grau, desde o Rio Grande até a Patagônia.
Especificamente na Venezuela, o descontentamento popular com a abertura indiscriminada promovida pelo presidente Carlos Andrés Pérez, no início de 1989, ocasionou trágicas consequências sociais. A convulsão e o desespero das gentes teve ápice no doloroso episódio chamado 'Caracazo', ocorrido em fevereiro de 1989. Centenas de mortos e milhares de feridos, esse foi o saldo que a população venezuelana nunca mais esquecerá. 
É dentro desse caldo de cultura econômica, social e política que emerge cada vez mais forte a figura de Hugo Rafael Chávez Frias e de seu MBR 200. Chávez tornou-se figura nacional no país de Bolívar em 1983, quando expôs suas teses de lançamento do movimento revolucionário. Não era um desconhecido da população quando do 'Caracazo' e já denunciava as mazelas sociais e a submissão econômica de seu país ao imperialismo que espoliava todo um povo. Controla-se a revolta de 1989, mas não a insatisfação popular, que aumenta exponencialmente ao longo do tempo, em função do tacão imposto por um dos planos econômicos neoliberais mais ortodoxos que já conheceu a região.
Em fevereiro de 1992, irrompe a sublevação militar comandada por Chávez. Fracassam as tentativas de controle do poder e Chávez é detido, julgado e condenado. Ficaria preso até 1994. Neste momento de fracasso, por mais incrível que possa parecer, Chávez tornou-se mais querido entre a população e amalgamou suas teses junto a grande massa de venezuelanos desalentados pelo chaga neoliberal. 

No cárcere, não parou mais de escrever e de gravar vídeos que eram repassados em todo o país, contendo as teses do movimento bolivariano. Em novembro de 1992, novamente fracassa uma tentativa de retirar Carlos Andrés Pérez do poder, feita de forma descoordenada por setores da Força Aérea Venezuelana. Em 1993, finalmente Carlos Andrés Pérez é apeado da cadeira presidencial, para alívio dos venezuelanos.
Em 1994 Hugo Chávez sai do cárcere. O dia da saída mais parecia uma cena de filme hollywoodiano. Centenas, milhares de pessoas o aguardavam em festa em frente ao presídio. O tenente coronel Chávez aparece, agora liberto, e sai caminhando entre o povo, sendo abraçado e beijado como um herói. Inicia uma bateria de viagens internacionais, das quais a mais significativa foi a feita até Cuba, em dezembro de 1994, onde palestrou em várias universidades a convite de Fidel Castro. 
Renunciou ali, a pedido de Fidel Castro, da estratégia militar de tomada do poder pelas armas para iniciar a fulminante estratégia de chegada ao poder através dos mecanismos tradicionais. Suas bandeiras principais, que galvanizaram em definitivo a maioria do povo venezuelano, foram a convocação imediata de uma Assembléia Nacional Constituinte originária, o fim imediato do neoliberalismo e a construção de uma nova independência econômica, política e cultural para a Venezuela. O acerto da mudança de estratégia não tardaria a dar frutos.
Depois de percorrer dezenas de países e de caminhar incessantemente em todas as partes da Venezuela, Hugo Chávez finalmente se elege com a chancela do voto popular e a frente do Movimento V República, em novembro de 1998. Ali punha-se termo aos longos 40 anos de 'puntofijismo' putrefato. 
A cerimônia de posse do Presidente Chávez foi em fevereiro de 1999 e a cena não podia ser mais original. No juramento, Chávez quebra o protocolo e jura da seguinte maneira: "Juro diante de Deus, juro diante da Pátria, juro diante de meu povo, e, sobre esta moribunda Constituição, cumpri-la. E impulsionarei as transformações democráticas necessárias para que a república nova tenha uma Carta Magna adequada aos novos tempos. Eu juro." Bem ao estilo surpreendente e desconcertante que marcaria para sempre a sua trajetória.

Eleito com 56% dos votos, logo em seu primeiro dia de mandato cumpre com sua proposta principal de campanha e convoca um plebiscito chamando o povo a se manifestar sobre a necessidade de convocar uma nova Assembléia Nacional Constituinte. Com 81% dos votos, a população diz sim ao processo constituinte, que é então chamado e produz a tão aguardada Carta Magna adequada aos novos tempos. Essa nova Carta foi sufragada e aprovada por 71% dos venezuelanos em dezembro de 1999.

Em 2000, cumprindo os dispositivos da nova Carta, Chávez concorre e vence as eleições com 59,7% dos votos. Inicia profundas transformações estruturais, como a reforma agrária e a retomada do controle estatal sobre a companhia petrolífera PDVSA. Em dezembro de 2000, convoca novo plebiscito para modificar a estrutura sindical do país, vence-o com 62% dos votos. As reações não tardariam.

O descontentamento dos sindicatos de trabalhadores e patronais, somado as profundas mudanças estruturais impulsionadas e a permanente referência ao seu amigo pessoal Fidel Castro colocam o país em polvorosa. Iniciam-se as greves, os locautes e as conspirações militares abertas e transmitidas ao vivo, exigindo a sua renúncia. Inicia-se o ano de 2002. Em abril de 2002, tem sequência a tentativa de golpe de estado contra Hugo Chávez, que fora sequestrado e levado para uma ilha. Assume o golpista Pedro Carmona, presidente da Federação Industrial, apoiado pelos remanescentes do sindicalismo cuja estrutura fossilizada Chávez pulverizou e com o apoio do Departamento de Estado dos EUA.

A indignação e a fúria da população venezuelana veio como um tsunami. Tiros nas ruas e as emissoras privadas passando desenhos do Pica-Pau e dizendo que tudo estava sob controle... Em menos de 24 horas, o povo sublevado e tomado de ira indescritível ocupa as ruas e exige a volta do Presidente Constitucional. Militares leais dão o contra-golpe e Chávez volta nos braços do povo. A película "A Revolução Não Será Televisionada" narra esses acontecimentos com impressionante riqueza de minúcias e detalhes.

Vencido o golpe, Chávez ainda enfrentaria uma greve petroleira de mais de 03 meses e um referendo revocatório de seu mandato, em 2004. Vence o referendo com 59% e ruma para a reeleição em 2006. Antes, em 2005, a oposição boicota as eleições legislativas e deixa o parlamento livre para os chavistas até o ano de 2010. Nas eleições de 2006, Chávez vence com acachapantes 63% dos votos e consolida o movimento bolivariano depois de oito anos de duras e renhidas batalhas com a oposição.

Encerro por aqui a apreciação dos processos eleitorais venezuelanos. Concentrei a avaliação entre 1998 e 2006 porque é neste tempo histórico bem determinado onde se percebem as principais lutas entre situação e oposição. A partir de 2006, Chávez se consolida, assume o comando pleno do processo político venezuelano, estabiliza as forças armadas e não é mais ameaçado por golpes de estado. Cumpre destacar que o PSUV foi criado apenas em março de 2007, após a consolidação do movimento bolivariano. Feita a breve digressão histórica, é hora de sair da descrição e passar para a avaliação.

Hugo Rafael Chávez Frias mudou o eixo da política venezuelana e latino-americana. Assumiu sozinho a luta anti-imperialista e anti-neoliberal, tal qual um Dom Quixote, numa conjuntura de terrível isolamento numa região dominada por governos de orientação submissa aos dogmas do liberalismo galopante. Seus maiores legados são, indiscutivelmente, a luta pela superação do modelo neoliberal (que só restaria completa com a ruína deste modelo em 15 de setembro de 2008) e a luta incessante pela integração econômica, política, social, cultural e de infra-estruturas da América Latina, sonho de Simon Bolívar que ele assumiu enquanto causa maior de sua existência.

É bom salientar que o sucesso da integração latino-americana jamais teria êxito sem as eleições de Lula em 2002 e de Néstor Kirchner em 2003. Aos poucos, com recuos e avanços diversos, vários governos progressistas foram eleitos em toda a região e a integração passou do plano dos sonhos idílicos para a possibilidade real.

Frutos dessa luta pioneira de Chávez, temos hoje a UNASUL, a CELAC, a ALBA, o Conselho de Defesa Sulamericano e o fortalecimento do Mercosul, consolidado com a entrada da Venezuela enquanto membro pleno do bloco em 2012. Gostaria, por fim, de lembrar um pouco sobre o Movimento dos Países Não-Alinhados, surgido nos anos 50, para se contrapor a dicotomia da Guerra Fria.

Eu diria, em rápidas palavras, que Hugo Chávez poderia muito bem estar na lista de grandes personalidades que lutaram antigamente contra o colonialismo, pela independência econômica dos povos, por soberania e desenvolvimento social. Eis algumas das personalidades históricas do Movimento: Sukarno, Jawaharlal Nehru, Mohammed Mossadegh, Gamal Abdel Nasser, Josip Broz Tito, Fidel Castro, Patrice Lumumba, etc. Não é a toa que todas essas pessoas são odiadas pelo imperialismo até os dias de hoje...

Hugo Chávez foi o campeão da integração regional, aspiração que estava adormecida na América Latina. E foi o campeão da luta anti-imperialista. Por isso e por várias outras razões, ele já é uma figura histórica de grande relevo e cuja memória será lembrada por muitas e muitas décadas. Hugo Chávez honrou antigas tradições de luta por uma política externa independente, no melhor estilo dos bons tempos do Movimento dos Países Não-Alinhados.

Fica de Hugo Chávez um legado de soberania e consolidação dos avanços sociais para o povo venezuelano e um exemplo de que é possível construir um rumo diferente para os países da América Latina. E tudo isso feito com ampla democracia e participação popular. Se Hugo Chávez não deixou uma Carta Testamento, nos moldes da escrita por Getúlio Vargas, em 1954, podemos dizer que o seu testamento político é de esperança e de uma profunda visão estratégica, de uma paixão pela construção da unidade latino-americana e de um fervor sempre renovado em busca da emancipação de fato e de direito dos povos oprimidos pelas amarras imperialistas.

Uma grande personalidade, um grande líder político, pioneiro, arrojado, com grande visão de futuro, e, acima disso tudo, um grande ser humano, que está marcado para sempre na memória coletiva das populações de nossa querida América. Este é o saldo, positivo, da bela existência e da profícua e coerente luta de Hugo Chávez, luta que tirou a região da letargia, da pasmaceira e que abriu novos caminhos que precisam cada vez mais ser consolidados.

A luta de Hugo Rafael Chávez Frías não foi em vão, pois é a luta histórica de milhões de cidadãos e cidadãs de toda a América Latina. Luta esta, aliás, que o Comandante Bolivariano soube despertar com toda a energia, como nenhuma outra liderança já houvera feito antes em nossa região.

O Movimento Bolivariano, ao que parece, não se esgota com a morte de Chávez, tudo indica que é um fenômeno de alcance mais profundo, que extrapolou as fronteiras do país caribenho e que ainda está em interessante expansão. A eleição do próximo dia 14 de abril nos informará a respeito da consistência e do enraizamento popular do Movimento Bolivariano.
Enviado por luisnassif, ter, 12/03/2013
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/breve-historico-de-chavez-e-do-movimento-bolivarianor Diogo Costa

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