Para Marcelo Durão, da coordenação da Via Campesina Brasil, não há
grandes esperanças de que a Rio+20, conferência das Nações Unidas sobre
desenvolvimento sustentável, consiga propor soluções reais para a crise
ambiental que presenciamos hoje.
Cético em relação a conferência oficial, Durão afirma que o
agronegócio sairá fortalecido da Rio+20, já que a cúpula propõe as
chamadas “falsas soluções”, que vão apenas “dar uma roupagem verde ao
capitalismo”. Confira abaixo a entrevista.
O que a Via campesina espera da Rio+20?
Estamos
com uma descrença na conferência, pois os acordos que podem sair de lá
vão ter um caráter bilateral entre os chefes de estados e as grandes
corporações. Por mais que se esteja construindo um evento com uma cara
ambiental, as questões principais que serão debatidas também passam pela
esfera social, política e econômica. E essas esferas têm suas linhas
políticas dadas em outros espaços de decisão, como o G-20, Davos e as
reuniões da OMC (Organização Mundial do Comércio), que de certa forma
direcionam os acordos da Rio+20.
Os acordos da Conferência vão
ter um caráter de liberalização dos acordos coletivos feitos na ECO-92,
que faziam uma cobrança coletiva da preservação ambiental em relação aos
chefes de Estados do mundo. A ideia é que se flexibilize esses acordos
para que cada país cuide agora do seu meio ambiente como lhe couber,
construindo sua relação de preservação, de limites de desenvolvimento.
Ou
seja, os acordos vêm no sentido de dar aos países essa liberdade para
fazer esse controle político, ambiental e até mesmo econômico sobre a
questão da natureza e do meio ambiente. Esses tratados e acordos
coletivos que temos a nível global podem ser quebrados na Rio+20. Até
porque em 20 anos nunca se conseguiu que esses acordos fossem
efetivamente cumpridos por todos os países.
Uma das
críticas a Rio+20 é que ela está voltada para os interesses das
corporações. Por que na construção dessa conferência se adotou este
caráter?
O que forçou isso foi a crise econômica de
2008. Órgãos internacionais, como a OMC, a FAO e o Banco Mundial
lançaram estudos apontando a mudança do clima e que deveríamos repensar
nosso modo de viver. Só que em vez de pensar essas questões concretas
sob uma nova forma de desenvolvimento, repensando o modelo econômico e a
velocidade de desenvolvimento, apresentou-se alternativas nas quais as
corporações são a solução.
À nível global, existe uma diferença
entre o dinheiro real e o fictício, então há uma tentativa de aumentar
os ganhos dessas grandes empresas. E o viés ambiental se torna uma fonte
de renda, por meio de falsas soluções para o meio ambiente, como a
Redução por Emissão de Desmatamento (RED)
Essas alternativas só aumentam o acúmulo de capital e concentração da
riqueza por parte dessas corporações. Como essas organizações
internacionais colocam como solução da crise ambiental a saída pelo
mercado, a sociedade civil está de fora da Rio+20.
A
discussão sobre a preservação do meio ambiente ganhou mais força com a
divulgação de estudos que apontaram o aquecimento global. Quais as
propostas da Via Campesina para enfrentar o aquecimento global?
A
Via Campesina vem dizendo a muito tempo: o que esfria o clima é a
agricultura familiar. A relação que a agricultura familiar tem com a
natureza, aliada à implantação do modelo de agroecologia e da Reforma
Agrária são questões centrais. Mas não só no Brasil mas também fora, são
muito difíceis de serem aceitas pelos governos por baterem de frente
com a lógica e o modelo econômico hegemônico.
Mas essa pauta traz condições ambientais mais significativas no
sentido da proteção ambiental, de outra relação com a natureza que não
seja apenas mercadológica, além da diminuição da poluição, do
desmatamento e o fim do uso de agrotóxicos. Nós acreditamos que a
agricultura camponesa esfria o planeta. Então, deve se potencializar
esse modelo para sair da crise ambiental.
A Via Campesina denuncia que empresas transnacionais e o capital financeiro tem hegemonia sobre a agricultura.
O
modelo econômico em que vivemos fortalece muito os grupos financeiros e
as transnacionais. A produção agrícola é transformada em commoditie,
dentro do sistema financeiro. Nosso enfrentamento é contra esse modelo.
Temos de pautar a luta contra o agronegócio, contra os agrotóxicos,
construir e difundir a agroecologia como alternativa e mostrar, por meio
de ações diretas para a sociedade, que esse modelo polui, degrada e
afeta comunidades.
O presidente da Bolívia, Evo Morales,
declarou que “todos os países do mundo devem nacionalizar os seus
recursos naturais”, pois o controle dos povos sobre a natureza é
fundamental para erradicar a pobreza. O que os Estados precisam fazer
para retomar o poder sobre seus recursos naturais?
O que
a gente percebe é que a relação dos grupos financeiros com as
transnacionais afeta a soberania dos povos e dos países na questão do
território. Cada vez mais essas corporações têm força para fazer com que
a soberania das nações, dos povos e dos Estados sejam fragilizadas.
No Rio, por exemplo, o governo do estado está desapropriando a
pequena agricultura na região Norte e está entregando a terra na mão da
OGX, do Eike Batista. Esse poder é tanto que o estado age a serviço
dessas grandes corporações. Há uma necessidade dos estados e dos
movimentos pressionarem para que essa soberania se fortaleça.
Haverá
alguma discussão sobre as sementes terminator (que não se reproduzem)
na Rio+20? Qual a posição da Via Campesina em relação ao tema?
A
proposta da Via é que se mantenha o embargo, que foi importante no
mundo inteiro para que essa tecnologia não progrida. Esse debate ronda
de novo, com alguns atores brasileiros se movimentando para acabar com o
embargo. A Via se posiciona novamente para que se mantenha o embargo em
relação às terminator e às sementes transgênicas.
A Via
Campesina denuncia o avanço predatório do agronegócio, com seu pacote
tecnológico de sementes e agrotóxicos. Essa questão será debatida na
Rio+20?
Os debates da conferência têm a intenção de
fortalecer este modelo econômico para o campo. Todas essas articulações,
como mecanismos de desenvolvimento limpos e a questão da economia verde
serão fortalecidas na Rio+20, o que vai afetar a soberania dos povos e
das nações, pois se almeja apenas uma manutenção do capitalismo, sem
questionar seu funcionamento.
As políticas que vão ser debatidas para o campo na Rio+20 fortalecem o
agronegócio e enfraquecem os posicionamentos dos povos tradicionais. A
disputa principal que vai se dar é pelo controle dos territórios,
entendendo “território” como tudo: terra, água, minérios, florestas, o
povo, a capacidade de produzir alimentos.
A Rio+20 espera criar um novo paradigma de desenvolvimento, por meio da “economia verde”. Como a Via Campesina vê esse conceito?
Na
verdade, não existe um novo modelo: é o mau e velho capitalismo,
travestido de verde. A economia verde é uma falácia, porque não existe
"capitalismo verde". O que se apresenta são falsas soluções de mercado
para a crise ambiental. Essas falsas soluções vão potencializar os
lucros das grandes corporações, empresas e bancos.
"Economia verde" nunca existiu, mas é uma nova roupagem para o
capitalismo ser melhor aceito na sociedade. Mas é o mesmo sistema, que
agora reconfigura e avança para cima da sociedade e dos povos
tradicionais. Esses mecanismos servem apenas para aumentar a acumulação
de capital.
Qual a proposta de desenvolvimento da Via Campesina?
Nossa
proposta é ter a presença massiva dos povos nas decisões econômicas e
na própria construção da economia, o que é muito difícil no período
atual. Há também a necessidade de ter outros parâmetros além do PIB
(Produto Interno Bruto), que é puramente econômico, para pautar o
crescimento das sociedades. Enquanto estivermos pautados apenas no ganho
de dinheiro como forma de desenvolvimento social, a gente está com uma
proposta ruim.
Não é possível avaliar o desenvolvimento de uma
comunidade sem levar em conta habitação, Reforma Agrária, produção de
alimentos saudáveis, escolaridade, saúde, saneamento, mas hoje isso tudo
não é levado em conta.
Avaliar uma sociedade pelo PIB é impreciso, pois muitos podem ganhar
pouco e poucos podem ganhar muito. O crescimento do PIB mascara a
realidade social. Então devemos pensar nos modelos de desenvolvimento
que temos e pautar o desenvolvimento principalmente pelas condições
sociais.
Por que se criou a Cúpula dos Povos?
A
cúpula dos povos surgiu quando organizações da sociedade civil, como
ONGs e movimentos sociais, perceberam a dificuldade de ter um debate na
Rio+20 que abordasse um viés mais social para as crises que vivemos
hoje. É importante que esses grupos tenham voz e sejam capazes de dar
visibilidade às alternativas concretas que os povos vem fazendo em
contrapartida ao que acontece com o processo oficial da Rio+20, dos
acordos que destroem soberania e das soluções falsas. A cúpula surge
para mostrar ao mundo que existem soluções alternativas, que vem dos
povos, para as crises que encontramos hoje, debatendo um desenvolvimento
igualitário.
Quais os resultados que a Via Campesina espera da Cúpula?
O
principal resultado é que consigamos sair fortalecidos. A cúpula não
inicia nem termina os debates. O principal é que os movimentos se
fortaleçam e se unifiquem para lutar contra a nova ofensiva do
capitalismo.
Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST
www.mst.org.br
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